sexta-feira, maio 16, 2014

Percepções de um Cego


Primeiro era o frio.

Frio que a argila molhada durante algum tempo começou a causar. Quando saímos diante dos olhares e flashes eu tremia tensa.

 Depois foi o medo.

Medo de cair com o salto nas calçadas irregulares da cidade. Medo de não conseguir manter o ritmo, de perder o foco, de me sentir mal.

Depois a tensão.

O peso da argila da bolsa na mão e da roupa nos ombros. A tensão fazia os ombros doerem muito.

O sentir-me cega

A luz solar refletia na lente dos óculos por baixo da faixa,  que tornava maior todos os medos anteriores.

Depois foi o ouvir

Ouvia as pessoas falando enquanto pensava em como controlar meus medos. No principio eram ruídos desconexos, depois o corpo acomodou-se ao salto, à argila e ao ritmo da caminhada. Os ombros pararam de doer quando acharam um lugar confortável. Num estado de transe começava a ouvir as pessoas. Tudo, todos os detalhes, as conversas, as perguntas, as piadas. Como se eu estivesse em uma casca, comecei a flutuar. As casca possuía uma pequena abertura, por onde enxergava as coisas que passavam diferentemente. Não era mais o centro da cidade e nem os lugares por onde caminho sempre. O centro era outro, como numa espécie de lente.

Cada detalhe de calçada já conseguia perceber, mesmo nos momentos em que a visão era impossível. A segurança aguçou a percepção para as desigualdades do calçamento. O salto já fazia parte dos pés e eles caminharam naturalmente. Continuava a ouvir tudo, os amigos ao redor, os desconhecidos.

Passar pela Santa Casa em especial foi um momento muito marcante. Nasci ali, mas nunca havia feito nada em relação ao seu abandono.

Diante da lente cega, o mais lindo foi observar o por do sol bicolor do Largo de São Sebastião. Uma sensibilidade que adquiri (ou revelei) com as horas de caminhada lenta.

Os cegos desonraram o templo dos donos da cultura com suas serras elétricas. Desbravaram o intocável monumento. Cometeram subidas nos bancos da praça. Abriram significativos leques. Curvaram-se diante de tudo que fazem os cegos daqui se curvarem sem se perguntar por quê. Macularam as fachadas e faixas deixando seu desproposital rastro. Essse rastro perdurará em mim, no centro e nos cegos de Manaus.

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Estatístico


Noventa e cinco por cento da população
Teme

Cinco por cento
Finge

Todos

Correm

Sem saber

Pra
Onde

quarta-feira, novembro 21, 2012

Repetições

Entrou no bar e pediu o drink mais barato.
O mais barato ainda era caro para a sede que sentia.
Entrou na mercearia. E comprou a mais cara garrafa de cachaça.

Vozes, precisava livrar-se das vozes. Lembrou quando sua mãe murmurou um grito em seu ouvido direito. E o murmúrio gritado ecoava consciência adentro.

O álcool apagava as manchas. Talvez.

Entrou na loja de conveniência. O guardete olhava-o inconveniente. Abraçava a aguardente. Olhou o relógio: quatro minutos antecediam as três.
Batatas industrializadas são caras! Lembrou de quando vendia batatas no centro da cidade. As minhas eram baratas. Pensou. Saiu ( sem as batatas).

Abraçando sua companheira caminhou  categoricamente pelas vias e via que não havia ninguém para observar tamanha elegância. Sentou e. Chorou.

Mais uma vez... as vozes. Eram duas... distantes...
Ai! Precisava bater na cabeça?
Eram sete da manhã. Eram dois policiais. Eram dois reais e. Já não havia mais...

quarta-feira, outubro 31, 2012

Onomatopéia referente ao som dos ventos

Quem dera fizessem
um poema ziguezagueado
dançado
num dois pra lá dois pra cá
a esquecer das folhas...

folhas que voam
com o vento
 giram e voltam
para o mesmo lugar

folhas de bananeira
folhas da mangueira
folhas de pagamento

folhas

o bicho folharal dos novos tempos

contas
tormentos

folhas do pastel frio
do esquecimento

folhas embrulhando a poeira
dos sentimentos

Quem dera eu fizesse um poema
ziguezagueando
o pensamento.

quarta-feira, outubro 24, 2012

MAO AMADA

Em homenagem ao "aniversário" de Manaus, resolvi postar este improviso:

Ando pensando, e costumo pensar caminhando...
Depois de observar os traseuntes gringos no Largo de São Sebastião, chego a conclusão de que somos gringos de alguma Manaus desconhecida... Eu gringo ao pegar um ônibus rumo ao T5, desconheço as linhas tortas de vias e veias manauaras. Rostos e traços exóticos a nós, gringos de nossa própria terra.
Da alegria de uma moça ao ver o rio Negro pela primeira vez, menina gringa filha de pais refugiados numa zona norte imensa, imersa pelos edifícios da orla oficial ( aquela apresentada aos gringos de fora). Os gringos de dentro sobre ti caminham em viagens, entre zonas, cada zona tem um centro, e continuamos a pensar que conhecemos e amamos viver reclamando, seja da lotação e demora do ônibus, seja do engarrafamento que atrapalha o compromisso, da falta de iluminação e de segurança ou  do péssimo atendimento em um estabelecimento comercial. Na Manaus de bares metade na rua, metade na calçada, ou das casas noturnas megalomaníacas... Sempre há um manauara gringo.
Há quem diga que conhece toda essa beleza, toda essa tristeza. E ama.
Penso,logo ando. E andando vou conhecendo esta cidade, nessa minha mania de gringueza.

av. Max Texeira, Manaus-AM

quarta-feira, outubro 17, 2012

Insone

Das diversas noites sem dormir surgiram versos, muitos. Mas alguns ganharam a luz do dia e consolidaram uma série (de)nominada "insone", e deles aqui a parte II .Não digo que as circunstâncias dominaram os versos, mas o contrário. Fiquem à vontade e não reparem a bagunça...


Insone II


O silencio
me corrompe
na desordem
da cama.

Dormirei
desacompanhada
do lado esquerdo
dos problemas.

A sirene
medicamental
me acordará
na madrugada.